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Violência

Artigo: Paz em Gaza e nas favelas do Brasil

Doses cavalares de espetáculo bélico transformaram a doença da violência em metástase no Rio de Janeiro, em São Paulo e em vários outros estados

(FILES) This file picture taken on November 8, 2017 shows a view of the Christ the Redeemer statue and the Morro da Coroa (Coroa Hill) shantytown, or favela, in Rio de Janeiro, Brazil.  As the spread of the new coronavirus COVID-19 accelerates in Brazil, the poor populations crammed into the often unsanitary homes and precarious health services in the favelas, are on great alert. -  / AFP / Mauro PIMENTEL -  (crédito: MAURO PIMENTEL)
(FILES) This file picture taken on November 8, 2017 shows a view of the Christ the Redeemer statue and the Morro da Coroa (Coroa Hill) shantytown, or favela, in Rio de Janeiro, Brazil. As the spread of the new coronavirus COVID-19 accelerates in Brazil, the poor populations crammed into the often unsanitary homes and precarious health services in the favelas, are on great alert. - / AFP / Mauro PIMENTEL - (crédito: MAURO PIMENTEL)
WASHINGTON QUAQUÁ
postado em 02/12/2023 06:00

A receita de tiro e bomba contra a violência e o crime organizado no Brasil tem surtido efeitos fortes há quatro décadas. Todos negativos ou, no mínimo, estéreis. Doses cavalares de espetáculo bélico transformaram a doença da violência em metástase no Rio de Janeiro, em São Paulo e em vários outros estados. É impressionante como a moléstia e o mesmo remédio errado seguem se autoalimentando Brasil afora. Sucessivos governos dobraram a aposta no ilusionismo de fazer barulho para não sair do lugar. A política de tiro e bomba sobre os territórios de favelas e periferias só produz, além de popularidade efêmera, mortes de mais e mais inocentes, muitos deles crianças. E também de muitos policiais.

Nesse balcão que vende ilusões, policiais viram peças de reposição de artilharia. Pobres e negros em sua maioria, eles matam e morrem no cenário onde vivem seus parentes e iguais na origem social. Fechamos os olhos nessa trincheira de carnificinas, incapazes de dar passos óbvios para reduzir o fluxo de armas contrabandeadas ou desviadas das forças de segurança para as mãos de bandidos que matam agentes de segurança e da Justiça no Brasil.

Cada espasmo de ousadia do crime recrudesce a bravata estéril da violência contra a violência, e segue o baile sangrento. No Rio de Janeiro, regiões populosas são rebatizadas como "faixas de Gaza", com direito a exibições frequentes do Exército ou da Força Nacional. É inacreditável não notarmos que este remédio amargo nunca vai curar uma doença que só cresce, ameaça a economia e elimina a esperança de um futuro bom.

Como presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Favelas e Respeito à Cidadania de seus Moradores, conheci em Medellín, na Colômbia, o êxito do combate ao crime no território, com paz em vez de bombas. Viajei a convite da Cufa (Central Única das Favelas), com a qual temos parceria para viabilizar projetos de cidadania e empreendedorismo. Com política social, cultura, organização popular, fortalecimento de laços comunitários e corporativos entre as pessoas, investimento na força econômica e viva da favela. A Comuna 13, uma das maiores do continente, hoje é um shopping a céu aberto de cultura, moda, gastronomia, diversão e turismo.

A transformação de Medellín foi resultado de um projeto que uniu governo nacional e comunidade local na implementação de uma série de iniciativas para melhorar a segurança e elevar a qualidade de vida. Isso incluiu a construção de escolas, bibliotecas e espaços públicos em áreas dominadas pelo crime. Programas sociais e econômicos deram alternativa às pessoas envolvidas no tráfico.

Os esforços, que incluíram investimentos em câmeras de vigilância e em polícia nas ruas, resultaram em redução dramática da criminalidade. Medellín tornou-se mais segura e habitável e um símbolo do acerto da cultura da paz. Entre 1991 e 2020, os homicídios caíram de 381 para 19 casos por 100 mil habitantes. Roubos e sequestros também despencaram.

A proposta que o Brasil precisa é a mesma que os colombianos abraçaram: um pacto pela paz, não pela guerra, pois a política de "Faixa de Gaza" nunca nos levou a qualquer lugar. Não se trata de descartar o uso da força, mas o enfrentamento ao narcotráfico e às milícias deve ser feito de forma nova, estrangulando braços econômicos, fechando portas de logística das armas e das drogas. A atuação das Forças Armadas faz sentido no combate a crimes transnacionais em aeroportos, nas estradas, em nossas fronteiras terrestres e em litorais das metrópoles.

O Brasil precisa também abrir um debate mais inteligente de combate às drogas. Portugal, como outras nações desenvolvidas, nos mostra como separar joio e trigo com a experiência bem sucedida de tratar o viciado como dependente. É preciso ser duro com bandidos, mas tratar com psicologia e saúde a doença do vício.

Quando sentimos os efeitos negativos da ampliação do acesso às armas, quando o Brasil mais precisa mobilizar a sociedade em favor da paz, diversos níveis de governo reapresentam soluções obsoletas que não deram em nada ao longo dos anos. O caminho correto leva a outra direção, ao chamado das lideranças de favelas para construir um futuro promissor no lugar da terra arrasada pela violência. A Frente Parlamentar das Favelas está disposta a colaborar na abertura de caminhos luminosos para soluções comunitárias, participativas e democráticas, mas não a da guerra.

WASHINGTON QUAQUÁ, deputado federal (PT-RJ) e presidente da Frente Parlamentar das Favelas

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